Ancelmo Portela (poetaportela)

                                                              o sonho me faz poeta; o amor me sacia.

Textos


Bola de Meia

BOLA DE MEIA


Nossa turma era igual a qualquer turma de meninos. Meninos pobres, humildes e também peraltas. Tínhamos sonhos, nossos desejos e fantasias. Só que sonhos pobres, sonhados em uma época remota. Nesse tempo, não existia ainda a sofisticação nos brinquedos atuais. Televisão não existia. Rádio era muito raro. Não era sequer chegada a era do plástico. Éramos pequenos artistas. Éramos reais. Fabricávamos nossos sonhos, construíamos nossos mundos. Fazíamos, nós próprios, os sonhos realidade, através dos carrinhos de latas de sardinha, da bola-de-gude de barro queimado, do pião de goiabeira, da bola de meia. Ah! A bola de meia! Companheira inseparável das tardes cálidas. Bola de meia que proporcionava tantas topadas e brigas no terreiro de casa. Saudosa bola de meia!
Tínhamos nossas fazendas de chifres de gado e de ovelhas; nossos cavalos-de-paus e a viola – privilégio de poucos -, confeccionada na melhor madeira de umburana. Tempo bom! Não existia ainda a pressa de se viver a vida. Não existia angústia, nem medo.
De tudo isso, tenho as marcas registradas. Vivas e autenticamente registradas em minhas mãos, nas cicatrizes resultantes de golpes de facas mal amoladas. Patenteadas na alma e que revivo a cada vez que vejo uma criança arremessar ao lixo, com desdém, um brinquedo eletrônico que ganhou, já pronto, a que não dá a menor importância. Talvez, por ignorar sua procedência.
Às vezes, por alguns instantes, deixo de lado os problemas do dia-a-dia pra retroagir no tempo. E foi num desses ataques de saudosismo que entendi porque, muitas vezes, nossos filhos esquecem na calçada o carro de controle remoto – que custou uma fábula -, para brincarem no fundo do quintal com pedaços de madeira, martelo velho, alguns pregos e cacos de telha e tijolo.
Parando para olhar isso, foi que consegui entendê-los, quando vi um, brilho diferente em seus olhos infantis, ao descobrirem a capacidade de criar coisas, para fugirem das imposições da vida.
Das nossas imposições.

ancelmo portela (poetaportela)
Enviado por ancelmo portela (poetaportela) em 21/05/2009
Alterado em 11/06/2009


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